segunda-feira, setembro 26, 2005

Introdução escrita pelo autor do livro: O picanço-de-dorso-ruivo


A edição deste livro representa um esforço assumido para divulgar a ecologia e biologia do picanço-de-dorso-ruivo (Lanius collurio) em Portugal Continental.
Vários motivos levaram o autor destas linhas a realizar este trabalho. Em primeiro lugar realçamos um interesse específico com a realização de trabalhos de investigação com esta espécie e com os outros picanços de um modo geral. Além do mais, o picanço-de-dorso-ruivo é uma das aves mais bonitas da nossa ornitofauna, encontrando-se, normalmente associado a habitats de grande beleza estética e paisagística, como o são, as serranias do Alto Minho e, em especial, de Trás-os-Montes. É de notar também que há um elevado interesse de conservação deste picanço que, em Portugal e na Península Ibérica, se encontra no limite Sudoeste da sua área de nidificação na Europa e, cujas populações têm sofrido um acentuado declínio nas últimas décadas. O conhecimento da biologia e ecologia deste picanço no nosso país é muito reduzido, restringindo-se apenas à distribuição dos principais núcleos reprodutores.
Procurámos escrever este trabalho numa linguagem o mais simples possível, respeitando, todavia, o rigor científico. É desejo do autor que, com a edição desta obra, se dê mais um passo na divulgação do património natural transmontano e se sensibilize as pessoas, não só para a beleza desta ave, mas também, para a importância de conservar os meios naturais por ela frequentados em Portugal.
Esta monografia está organizada do seguinte modo:
1. fala-se dos picanços, sensu lato, fazendo uma retrospectiva sobre a sua história e sistemática;
2. Genericamente são abordados, os picanços-verdadeiros;
3. É dada ênfase aos picanços-verdadeiros do género Lanius L., decrevendo as suas características fundamentais;
4. Refere-se o estatuo em Portugal do picanço-de-dorso-ruivo com especial destaque para a situação em Trás-os-Montes;
5. Fala-se um pouco sobre a paixão pelos picanços, relatando a história dos movimentos em prol da conservação e do estatuto dessas aves.
Finalmente, e dentro do esforço rigoroso que norteia esta obra, urge tecer duas breves considerações relativas a questões de nomenclatura vulgar. A primeira prende-se com o facto de algumas das espécies de picanços referidas ao longo do texto não possuirem nome vulgar na língua portuguesa ou de, por vezes, o nome que apresentam ser inadequado. Assim, no que se refere à atribuição dos nomes vulgares, considerámos a lista de nomes proposta por Sacarrão & Soares (1979); para todas as espécies que não são mencionadas naquela obra foram adaptadas as designações de Costa et al. (2000); recorreu-se também a outras publicações, ainda que não tenha sido realizado um esforço exaustivo, nomeadamente as de Frade & Bacelar (1959); Pereira Lopes (1979) e Naurois (1994). Sempre que as condições anteriores não se encontravam reunidas ou os nomes existentes não eram, na percepção do autor, os mais adequados atribuíram-se novos nomes (v. Tabela 3). O nome utilizado para L. collurio foi o adoptado por Sacarrão & Soares (1979) – picanço-de-dorso-ruivo. Este picanço também é conhecido por outros nomes, como cascarrôlho (Reis Junior, 1931) ou picanço-de-dorso-vermelho (Pereira Lopes, 1979).
Ao longo do texto são usados os nomes vernáculos para as diferentes espécies (acompanhados do nome científico em latim na primeira menção), excepto na secção “Sistemática do género Lanius” em que são apenas usados os nomes em latim de modo a facilitar a compreensão e leitura do texto. No mesmo sentido, apenas mencionamos os autores e data de classificação para as espécies que não são assinalados nos anexos 1 e 2.
A nossa última consideração vai para a designação vernácula de picanços-verdadeiros (em inglês “true shrikes”). Neste trabalho, entende-se por picanços-verdadeiros, as espécies pertencentes aos géneros Lanius, Corvinella e Eurocephalus (sensu Sibley & Monroe 1990, 1993; Lefranc & Worfolk, 1997; Harris & Franklin, 2000).
Prefácio escrito por João Bugalho

Confesso que fui colhido de surpresa quando o Luís Reino me pediu que lhe prefaciasse este livro. Sim, porque de picanços, que sei eu?
Porém a amizade leva-nos a não poder negar pedidos que nos são genuinamente solicitados, em nome da reciprocidade que ela exige. Assim foi que comecei a ler o livro preparando-me para dar satisfação ao pedido.
Li-o com muito agrado e reconhecido pelos ensinamentos que me trouxe. Espero, pois que ele venha a trazer a muitos ornitólogos portugueses, tão ávidos de poder dispor de livros de ornitologia na nossa língua materna, tanto prazer, pelo menos, como o que me deu a mim!
De facto, no meio da escassez de livros da especialidade em português, aparecer um versando apenas sobre picanços é, pelo menos, inesperado, senão mesmo notável! Até porque sobre as aves deste grupo, mesmo noutros idiomas, calculo que não haja muitos. Fica pois preenchida uma lacuna na bibliografia ornitológica nacional, mesmo na internacional.
Durante a leitura, a pouco e pouco, reparei que a minha consciência penetrava nas memórias e aí fui encontrar imagens, algumas colhidas na infância, que assim vieram para o primeiro plano. Senti-me nos meus tempos de menino, no campo, atrás dos pássaros, tentando destrinçá-los, reconhecê-los, entendê-los, capturá-los. Lembrei o fascínio que os belos machos de picanço-barreteiro, poisados no alto de um poste ou no galho seco de um sobreiro, exerciam sobre mim, com o seu aspecto de força, de predadores resolutos, de dominantes entre os pássaros da minha quinta! Lembrei-me das horas que mais tarde passei dentro das tendas de observação a espiar-lhes os ninhos para que os meus amigos Christine e Kevin Carlson os tivessem nas melhores condições para fotografar (são de então, algumas das imagens deste livro). Recordei a admiração que tive quando, bem criança, aprendi com um pastor que me criou o gosto pela Natureza, o “Ti Ângelo”, que os grandes insectos que via violentamente empalados nos espinhos, não eram senão as presas dessa belíssima ave que é o picanço-real! Seguramente, foi o costume de armazenar as presas nos “picos” dos pilriteiros, dos catapereiros, ou mesmo nos do arame farpado, que esteve na origem do nome vulgar dos “picanços”...
Recordei então que os picanços foram seguramente os primeiros predadores que observei de perto e com mais atenção, já que são mais acessíveis para serem observados por uma criança, do que uma grande ave de rapina. A leitura trouxe-me em primeiro lugar estes prazeres da memória.
Neste livro também se aprende quais as rápidas mudanças que se estão a ocorrer no habitat e que podem pôr em perigo os picanços, como têm estado a pôr tantas outras. Mas o Luís não se limita à constatação, apresenta soluções e sugere medidas. Oxalá que algumas sejam levadas em conta para que os picanços possam ficar para as gerações vindouras!
Se esse for um dos contributos deste livro, então já valeu a pena todo o esforço. Desejo, por isso, que tenha uma larga profusão e grande sucesso entre os leitores. Obrigado Luís, por – para além de todo o entusiasmo e competência na ornitologia – nos transmitir esta paixão pelos picanços, em boa hora posta em prosa!
Lisboa, 8 de Abril de 2002
João Filipe Flores Bugalho