segunda-feira, setembro 26, 2005

Prefácio escrito por João Bugalho

Confesso que fui colhido de surpresa quando o Luís Reino me pediu que lhe prefaciasse este livro. Sim, porque de picanços, que sei eu?
Porém a amizade leva-nos a não poder negar pedidos que nos são genuinamente solicitados, em nome da reciprocidade que ela exige. Assim foi que comecei a ler o livro preparando-me para dar satisfação ao pedido.
Li-o com muito agrado e reconhecido pelos ensinamentos que me trouxe. Espero, pois que ele venha a trazer a muitos ornitólogos portugueses, tão ávidos de poder dispor de livros de ornitologia na nossa língua materna, tanto prazer, pelo menos, como o que me deu a mim!
De facto, no meio da escassez de livros da especialidade em português, aparecer um versando apenas sobre picanços é, pelo menos, inesperado, senão mesmo notável! Até porque sobre as aves deste grupo, mesmo noutros idiomas, calculo que não haja muitos. Fica pois preenchida uma lacuna na bibliografia ornitológica nacional, mesmo na internacional.
Durante a leitura, a pouco e pouco, reparei que a minha consciência penetrava nas memórias e aí fui encontrar imagens, algumas colhidas na infância, que assim vieram para o primeiro plano. Senti-me nos meus tempos de menino, no campo, atrás dos pássaros, tentando destrinçá-los, reconhecê-los, entendê-los, capturá-los. Lembrei o fascínio que os belos machos de picanço-barreteiro, poisados no alto de um poste ou no galho seco de um sobreiro, exerciam sobre mim, com o seu aspecto de força, de predadores resolutos, de dominantes entre os pássaros da minha quinta! Lembrei-me das horas que mais tarde passei dentro das tendas de observação a espiar-lhes os ninhos para que os meus amigos Christine e Kevin Carlson os tivessem nas melhores condições para fotografar (são de então, algumas das imagens deste livro). Recordei a admiração que tive quando, bem criança, aprendi com um pastor que me criou o gosto pela Natureza, o “Ti Ângelo”, que os grandes insectos que via violentamente empalados nos espinhos, não eram senão as presas dessa belíssima ave que é o picanço-real! Seguramente, foi o costume de armazenar as presas nos “picos” dos pilriteiros, dos catapereiros, ou mesmo nos do arame farpado, que esteve na origem do nome vulgar dos “picanços”...
Recordei então que os picanços foram seguramente os primeiros predadores que observei de perto e com mais atenção, já que são mais acessíveis para serem observados por uma criança, do que uma grande ave de rapina. A leitura trouxe-me em primeiro lugar estes prazeres da memória.
Neste livro também se aprende quais as rápidas mudanças que se estão a ocorrer no habitat e que podem pôr em perigo os picanços, como têm estado a pôr tantas outras. Mas o Luís não se limita à constatação, apresenta soluções e sugere medidas. Oxalá que algumas sejam levadas em conta para que os picanços possam ficar para as gerações vindouras!
Se esse for um dos contributos deste livro, então já valeu a pena todo o esforço. Desejo, por isso, que tenha uma larga profusão e grande sucesso entre os leitores. Obrigado Luís, por – para além de todo o entusiasmo e competência na ornitologia – nos transmitir esta paixão pelos picanços, em boa hora posta em prosa!
Lisboa, 8 de Abril de 2002
João Filipe Flores Bugalho

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